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Mediterrâneo Antigo
Curso: Mediterrâneo Antigo > Unidade 8
Lição 7: Ascensão do império- Augusto de Prima Porta
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Ara Pacis
Ensaio do Dr. Jeffrey Becker
A religião do estado Romano no microcosmo
As festividades da religião do estado Romano eram cheias de tradição e simbolismo ritual. Oferendas sagradas para os deuses, consultas com sacerdotes e adivinhos, cerimônias rituais, banquetes comunitários —todas eram práticas voltadas para estimular e manter a coesão social e a comunicação da autoridade. Talvez se pudesse argumentar que a Ara Pacis Augustae — O Altar da Paz de Augusto — representa com luxo, majestosamente, o microcosmo das práticas religiosas do estado Romano de uma forma que é substancialmente elegante e pragmática.
Prometido em 4 de Julho de 13 a.C. e dedicado em 30 Janeiro de 9 a.C., o monumento se situava orgulhosamente no Campus Marcius em Roma (uma área plana entre as muitas colinas de Roma e o Rio Tibre). Era adjacente a complexos arquitetônicos que cultivavam e orgulhosamente mostravam mensagens sobre o poder. a legitimidade, e a adequação do seu patrono — o imperador Augusto. Atualmente escavada, restaurada e montada em um elegante e moderno pavilhão projetado pelo arquiteto Richard Meier (2006), o Ara Pacis continua a nos inspirar e a desafiar quando pensamos na Roma Antiga.
O próprio Augusto fala sobre o Ara Pacis em sua memória epigrafada, Res Gestae Divi Augusti ("Feitos do Divino Augusto") que foi promulgada após sua morte em 14 d.C. Augusto declara: "Quando retornei a Roma da Espanha e da Gália, tendo cumprido os feitos naquelas províncias ... o senado votou a consagração do altar da Paz de Augusto no Campus Martius ... no qual ele ordenou que os magistrados, os sacerdotes e as virgens Vestais oferecessem sacrifícios anuais" (Aug. RG 12)
Um altar ao ar livre para sacrifício
O Ara Pacis é, resumidamente, um altar ao ar livre para sacrifícios de sangue associados à religião do estado Romano. O ritual de abate e oferendas de animais na religião Romana era rotineiro, e tais ritos geralmente ocorriam ao ar livre. A colocação do Ara Pacis no Campus Martius (Campo de Marte) ao logo da do Via Lata (atualmente Via del Corso) o situava próximo de outros importantes monumentos Augustinos, particularmente o Horologium Augusti (um relógio solar gigante) e o Mausoléu de Augusto.
A importância da colocação topográfica era bem evidente para os antigos Romanos. Este complexo de monumentos Augustinos dava uma demonstração clara das transformações físicas da paisagem Romana feitas por ele. A consagração a uma noção abstrata de paz (pax) é significativa nesse caso em que Augusto anuncia a paz para o estado Romano após um longo período de turbulência interna e externa.
O altar (ara) em si se encontra dentro de uma monumental moldura de pedra que foi elaborada com esculturas em baixo relevo, com os painéis combinando para formar uma narrativa programática mito-histórica sobre Augusto e sua administração, assim como as fortes raízes Romanas. O recinto do altar é mais ou menos quadrado e o altar em si está no topo de um pódio elevado que é acessível por uma escada estreita.
A Moldura Externa — cenas procissionais
Cenas procissionais ocupam os flancos norte e o sul da moldura do altar. As figuras solenes, todas adequadamente vestidas para o rito da religião do estado, seguiam na direção do altar, prontas para participar do ritual. Todas as figuras rumam para o oeste. A ocasião descrita parecia ser uma celebração da paz (pax) que Augusto havia restaurado para o império Romano. Além disso quatro grupos principais de pessoas são evidentes nas procissões: (1) os lictors (guarda costas oficiais dos magistrados), (2) os sacerdotes do alto colegiado de Roma, (3) os membros da casa imperial, incluindo mulheres e crianças e (4) os assistentes. Houve bastante discussão acadêmica focando duas das três crianças não Romanas retratadas.
O friso procissional norte, composto de sacerdotes e membros da casa imperial, tem 46 figuras. Os colégios sacerdotais (associações religiosas) representados incluem os Septemviri epulones ("sete homens para os festins sacrificiais"— eles organizavam festins públicos relacionados a feriados sagrados), cujos membros aqui levam uma caixa de incenso (imagem acima), e os quindecimviri sacris faciundis (quinze homens para realizar as ações sagradas"— sua função principal era guardar e consultar os livros de Sibylline (textos oraculares) a pedido do Senado). Membros da família imperial, incluindo Octávia a Jovem, seguem atrás.
Boa parte da restauração moderna foi feita na parede norte, com muitas cabeças muito restauradas ou substituídas.
A parede sul do biombo exterior retrata Augusto e sua família próxima. A identificação das figuras individuais vem sendo a fonte de muito debate acadêmico. Aqui retratados estão Augusto (danificado, ele aparece na extrema esquerda na imagem acima) e Marco Agripa (amigo, genro, e um eventual substituto de Augusto, ele aparece, encapuçado, imagem abaixo), junto com outros membros da casa imperial. Todos esses presentes estão vestidos em trajes cerimoniais apropriados para os sacrifícios do estado. A presença de sacerdotes do estado conhecidos como flamens (flâmines) indicava a solenidade da ocasião.
Um friso de vegetais adjacente corre paralelamente embaixo dos frisos procissionais. Este friso de vegetais enfatiza a fertilidade e a abundância das terras, um benefício claro de se viver em um tempo de paz.
Painéis Mitológicos
Acompanhando os frisos procissionais estão quatro painéis mitológicos que adornam o biombo do altar nos seus lados menores. Cada um desses painéis descrevem uma cena distinta:
- uma cena de um homem barbado fazendo sacrifício (abaixo)
- uma cena de uma deusa sentada em meio à fertilidade da Itália (também abaixo)
- uma cena fragmentada com Rômulo e Remo na gruta Lupercalal (onde esse dois míticos fundadores de Roma foram amamentados por uma loba)
- e um painael fragmentado mostrando Roma (a personificação de Roma como uma deusa sentada.
Desde o começo do século 20, a interpretação dominante do painel do sacrifício (acima) tem sido a de que a cena mostra o herói Troiano Eneias chegando à Itália e fazendo um sacrifício para Juno. Uma recente reinterpretação oferecida por Paul Rehak argumenta em vez disso que o homem barbado não é Eneias, e sim Numa Pompílio, o segundo rei de Roma. Na tese de Rehak, Numa, reconhecido como um governante pacífico e fundador da religião Romana, fornece um contrapeso ao guerreiro Rômulo no painel oposto.
O painel melhor preservado na parede leste retrata a figura de uma mulher sentada (acima) que vem sendo diversamente interpretada como sendo Telo (a Terra), Itália, Pax (Paz), bem como Vênus. O painel retrata a cena da fertilidade humana e da abundância da natureza. Dois bebês se sentam no colo da mulher sentada, puxando sua roupa. Ao redor da fêmea central está a abundância natural das terras e a ladeando estão as personificações das brisas da terra e do mar. Em suma, se a deusa é tida como sendo Tellus ou Pax, o tema enfatizado é a harmonia e a abundância da Itália, um tema central das mensagens de Augusto de um estado pacífico reformado para o povo Romano — a Pax Romana.
O Altar
O altar em si (abaixo) está dentro do recinto da parede esculpida. Ele é constituído de molduras arquiteturais esculpidas com grifões agachados, dominados por volutas ladeando o altar. O altar era a porção funcional do monumento, o lugar onde o sacrifício de sangue e/ou oferendas queimadas seriam presenteados aos deuses.
Implicações e Interpretação
As implicações do Ara Pacis são imensas. Alocada originalmente ao longo da Via Lata (agora Via del Corso em Roma), o altar é parte de uma reforma arquitetônica monumental do Campus Martius em Roma realizada por Augusto e sua família. Inicialmente a reforma tinha um tom dinástico, com o Mausoléu de Augusto perto do rio. A consagração do Horologium (relógio solar) de Augusto e do Ara Pacis, e a remodelação Augustina serviram para o povo de Roma como um lembrete visual, potente, do sucesso de Augusto. A escolha para celebrar a paz e a prosperidade correspondente de certa forma quebra a tradição de monumentos explicitamente triunfais que divulgam sucesso na guerra e nas vitórias ganhas no campo de batalha. Ao defender a paz — ao menos na aparência de monumentos públicos — Augusto promoveu uma potente e efetiva campanha de criação de mensagens políticas.
Redescoberta
Os primeiros fragmentos do Ara Pacis surgiram em 1568 embaixo do Palazzo Chigi, perto da basílica de San Lorenzo em Lucina. Esses fragmentos iniciais vieram a ficar espalhados entre vários museus, incluindo o Villa Medici, os Museus Vaticanos, o Louvre e o Uffizi. Foi a partir de 1859 que mais fragmentos do Ara Pacis surgiram. Ao historiador de arte Alemão Friedrich Von Duhn da Universidade de Heidelberg é dado o crédito da descoberta de que os fragmentos correspondiam ao altar mencionado no Res Gestae de Augusto. Apesar de Von Duhn ter chegado a esta conclusão em 1881, as escavações só foram recomeçadas em 1903, quando o número total de fragmentos chegou a 53, apos o que a escavação teve de ser interrompida devido às condições difíceis. O trabalho no sítio recomeçou em Fevereiro de 1937, quando tecnologias avançadas foram usadas para congelar aproximadamente 70 metros cúbicos do solo para permitir a extração dos fragmentos restantes. Esta escavação foi autorizada pelo pelo decreto do governo Italiano de Benito Mussolini para o seu jubileu programado para 1938 em comemoração dos 2.000 anos do nascimento de Augusto.
Mussolini e Augusto
O renascimento da glória da Roma antiga era fundametal para a propaganda do regime Fascista na Itália durante a década de 1930. O próprio Benito Mussolini cultivava uma relação com a personagem de Augusto e reivindicou que suas ações visavam promover a continuidade do Império Romano. Arte, arquitetura e iconografia desempenharam um papel crucial neste "ressurgimento" propagandístico. Seguindo a recuperação de fragmentos adicionais do altar em 1937, Mussolini indicou o arquiteto Vittorio Ballio Morpugo para construir um recinto para o altar restaurado adjacente as ruínas do Mausoléu de Augusto perto do Rio Tibre, criando um complexo importante para a propaganda Fascista. Palácios Fascistas recém construídos, trazendo propaganda Fascista, flanqueavam o espaço chamado de "Piazza Augusto Imperatore" ("Praça do Imperador Augusto"). O famoso Res Gestae Divi Augusti ("Atos do Divino Augusto") foi recriado na parede do pavilhão do altar. O efeito concomitante pretendia levar o espectador a associar as realizações de Mussolini com as do próprio Augusto.
O Ara Pacis e Richard Meier
A empresa do arquiteto Richard Meier foi contratada para fazer o projeto e executar um novo e melhor pavilhão para guardar o Ara Pacis e integrar o altar com uma área planejada para pedestres ao redor do Mausoléu de Augusto adjacente.
Entre 1995 e a inauguração do novo pavilhão em 2006, Meier criou o pavilhão modernista realçado com divisórias de vidro, oferecendo aos visitantes vistas do rio Tibre e do Mausoléu enquanto perambulavam pelo espaço do museu focados o próprio altar. O pavilhão Meier não foi bem recebido, com algumas críticas imediatamente lançadas contra ele, e alguns políticos Italianos declarando que ele devia ser desmontado. O museu também foi vítima de vandalismo.
Monumentalidade Duradoura
O Ara Pacis Augustae continua nos cativando e incitando controvérsia. Como um monumento que é o produto de um programa ideológico cuidadosamente construído, ele é altamente carregado de uma energia sócio-cultural que nos fala do ordenamento do mundo Romano e de sua sociedade — o próprio universo Romano.
Augusto tinha um forte interesse em reformar o mundo Romano (com ele como o único líder), mas teve de ser cuidadoso sobre quão radicais pareceriam essas mudanças para o povo Romano. Enquanto derrotava inimigos, estrangeiros e internos, ele estava preocupado em ser considerado muito autoritário — ele não queria ser rotulado como um rei (rex), com medo de que isto seria difícil de aceitar pelo povo Romano. Então o esquema Augustino envolveu uma declaração de que o governo republicano da Roma tinha sido "reformado" por Augusto e ele se nomeou como o principal cidadão da república (príncipe). Esses motivos políticos e ideológicos influenciaram e conduziram a criação do seu programa de arte e arquitetura monumentais. Essas formas monumentais, das quais a Ara Pacis é um exemplo importante, serviram para criar e reforçar estas mensagens Augustinas.
A história do Ara Pacis se torna ainda mais complicada, visto que ele é um artefato que foi posto a serviço de idéias na era moderna. Isto resultou em sua identidade ter se tornado estranhamente uma mistura de Classicismo, Fascismo e Modernismo — bem difícil difícil de ser aceita em uma realidade pós moderna. É importante lembrar que os relevos esculturais foram criados para serem facilmente compreendidos, para que o espectador pudesse entender as mensagens de Augusto sem a necessidade de recorrer a textos elaborados. Augusto foi o precursor do uso de tais mensagens ideológicas, que se baseavam numa clara iconografia para fazer entender as suas mensagens. Havia muita coisa em jogo para Augusto e parece que, como revela a história, as escolhas políticas se mostraram prudentes. As mensagens da Pax Romana, de um estado reformado, e de Augusto como o principal cidadão republicano são todas parte de uma estratégia efetiva e cuidadosamente construída.
Ensaio do Dr. Jeffrey A. Becker
Recursos adicionais
David Castriota, The Ara Pacis Augustae and the Imagery of Abundance in Later Greek and Early Roman Imperial Art (Princeton: Princeton University Press, 1995).
Diane A. Conlin, The Artists of the Ara Pacis: the Process of Hellenization in Roman Relief Sculpture (Chapel Hill: University of North Carolina Press, 1997).
Nancy de Grummond, “Pax Augusta and the Horae on the Ara Pacis Augustae,” American Journal of Archaeology 94.4 (1990) pp. 663–677.
Karl Galinksy, Augustan Culture: an Interpretive Introduction (Princeton: Princeton University Press, 1996).
Karl Galinksy ed., The Cambridge Companion to the Age of Augustus (Cambridge: Cambridge University Press, 2005).
Peter Heslin, "Augustus, Domitian and the So-called Horologium Augusti," Journal of Roman Studies, 97 (2007), pp. 1-20.
P. J. Holliday, “Time, History, and Ritual on the Ara Pacis Augustae," The Art Bulletin 72.4 (December 1990), pp. 542–557.
Paul Jacobs and Diane Conlin, Campus Martius: the Field of Mars in the Life of Ancient Rome (Cambridge: Cambridge University Press, 2015).
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Paul Rehak, “Aeneas or Numa? Rethinking the Meaning of the Ara Pacis Augustae,” The Art Bulletin 83.2 (Jun., 2001), pp. 190-208.
Paul Rehak, Imperium and Cosmos. Augustus and the Northern Campus Martius, edited by John G. Younger. (Madison, WI: The University of Wisconsin Press, 2006).
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John Seabrook, “Roman Renovation,” The New Yorker, May 2, 2005 pp. 56-65.
J. Sieveking, “Zur Ara Pacis,” Jahresheft des Österreichischen Archeologischen Institut 10 (1907).
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M. J. Strazzulla, “War and Peace: Housing the Ara Pacis in the Eternal City,” American Journal of Archaeology 113.2 (2009) pp. 1-10.
Stefan Weinstock, “Pax and the 'Ara Pacis',” The Journal of Roman Studies 50.1-2 (1960) pp. 44–58.
Rolf Winkes ed., The age of Augustus: interdisciplinary conference held at Brown University, April 30-May 2, 1982 (Providence, R.I.: Center for Old World Archaeology and Art, Brown University; Louvain-La-Neuve, Belgium: Institut Supérieur d'Archéologie de d'Histoire de l'Art, Collège Érasme, 1985).
Paul Zanker, The Power of Images in the Age of Augustus, trans. D. Schneider (Ann Arbor: University of Michigan Press, 1987).
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