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Mediterrâneo Antigo
Curso: Mediterrâneo Antigo > Unidade 8
Lição 4: PompeiaPompeia: casa dos Vettii
A cidade antiga pode estar calma agora, sua vida terminou com um cataclisma fantástico quase dois mil anos atrás, mas as ruínas das casas, as decorações, e os objetos da vida cotidiana sussurram para nós a respeito das vidas dos povos antigos que habitavam Pompéia antes da erupção do Monte Vesúvio. Espaços domésticos, em particular, oferecem um rico recurso para analisar as vidas antigas que, em alguns casos, terminaram abruptamente. Pompeia estava prosperando até o momento de sua destruição, e no estudo de sua vida interrompida chegamos a importantes respostas sobre como era a vida no Mediterrâneo Romano.
Visão geral
A Casa dos Vetti, ou Casa dei Vetti (VI xv, 1) é uma moradia Romana (domus) localizada dentro das ruínas antigas da cidade de Pompéia, Itália. Uma erupção vulcânica destruiu Pompeia no ano 79 d.C., preservando assim extraordinários vestígios arqueológicos da cidade Romana como ela era no momento de sua destruição cataclísmica. Essas ruínas constituem um recurso quase inigualável para o estudo do mundo Romano.
Arquitetura do Domus
Começando com o interesse do Renascimento por todos os aspectos clássicos, os arqueólogos e historiadores da arquitetura têm debatido a forma e a função das casas na Roma antiga por muitas centenas de anos. O interesse na forma arquitetônica doméstica foi alimentado pela redescoberta, em meados do século XVIII, de Pompéia, Herculano e outros locais destruídos pelo Vesúvio.
Uma casa é, naturalmente, uma habitação—mas é também um local em que os rituais da vida diária e da hierarquia social são realizados. Durante o tempo da República Romana (do século V ao I a.C.), famílias aristocráticas de prestígio (patrícios) usavam o ambiente doméstico como forma de reforçar sua posição social e de promover suas próprias fortunas, bem como as de seus dependentes e clientes, dentro da comunidade. Uma vez que a sociedade republicana operava baseada nesta relação de patrão-cliente, o domus desempenha um papel chave no reforço da hierarquia social, uma vez que o patrão (patronus) receberia seus clientes no átrio do seu domus a cada dia útil. Enquanto visitava o patrão, cada cliente obteria uma visão óbvia da riqueza da família do patrão, assim gerando uma pressão implícita no patrão para garantir que sua casa fosse elegante e de bom gosto.
O sistema patrono-cliente girava em torno de relações sociais assimétricas em que clientes de status inferiores eram ligados a seus patronos pelas qualidades da confiança (fides) e dedicação (pietas). Regidos por costumes ancestrais (mos maiorum), os clientes procuravam apoio e favores do patrono; em troca o patrono oferecia proteção, suporte e benefícios, coletivamente chamados de patrocinium. Esse sistema havia mudado em alguma medida na época dos irmãos Vetti, e não está claro até que ponto o sistema patrono-cliente era levado em conta nas suas vidas ou a sua própria esfera doméstica.
Em seu tratado sobre a arquitetura Romana, o autor do século I a.C. Vitrúvio traça os elementos chave, proporções, e estéticas da casa Romana, criando o que tem sido tratado como uma recomendação canônica para a arquitetura doméstica do período. O cânone Vitruviano (ou padrão) propõe um série de plantas, sugerindo fortemente que a organização do espaço interior era importante na teoria arquitetônica Romana (De Architectura 6.3.3-6). Embora a planta do domus Romano reflita os aspectos canônicos descritos por Vitrúvio, vemos também uma enorme variação com modificações e remodelações realizadas ao longo do tempo.
A planta da casa (domus) padrão tem vários elementos arquitetônicos importantes. Geralmente ela se comunicava com a rua através de uma entrada estreita (fauces), o grande salão de recepção centralizado (atrium) é flaqueado por alas (alae) e muitas vezes terminadas com dormitórios (cubicula). o escritório do chefe da moradia (paterfamilias), conhecido como o tablinum, liga a parte pública da casa (pars urbana) à parte privada (pars rustica). Esta área posterior muitas vezes converge para um patio aberto com colunatas (peristylium) e serve como o centro da vida familiarr, com a cozinha (culina), sala(s) de jantar (triclinium ou oecus), e muitas vezes um pequeno jardim (hortus). Muitas casas também tinham um segundo nível que podiam conter espaços de dormir e talvez de armazenagem.
Escavação e identificação
A Casa dos Vettii foi escavada entre o final de 1894 e o início de 1896. Os artefatos que foram recuperados permitiram a identificação dos supostos proprietários, Aulus Vettius Conviva e seu irmão, Aulus Vettius Restitutus. Ambos foram identificados como antigos escravos ou libertos (liberti). Os Vettii tinham alcançado alguma proeminência; Conviva foi um augustalis—o posto cívico mais alto para o qual um liberto poderia ser elegível. Na construção e decoração de sua casa, os irmãos exibem uma mentalidade não incomum entre os novos ricos. Duas caixas fortes (arca - essencialmente caixas com cadeado para armazenar objetos de valor)— sinais concretos de riqueza— foram colocadas com destaque no grande átrio para que os visitantes se assegurassem de notá-los.
As caixas fortes, emparelhados no vestíbulo com uma pintura do deus Priapus, servem para ressaltar a riqueza dos irmãos Vettii. Esta pintura, que mostra Priapus pesando seu próprio falo contra um saco de dinheiro, pode representar as ambições sócioeconômicas dos Vettii e talvez indicar que essas ambições eram diferentes daquelas famílias cidadãs de alta patente. Isso é interessante quando consideramos que alcançar o status de augustalis provavelmente indica que Conviva fez uma grande doação a um projeto de obras públicas em Pompéia.
A planta da casa
A Casa dos Vettii cobre uma área de aproximadamente 1.100 metros quadrados. A construção da casa e suas decorações pertencem ao período final da ocupação de Pompéia e, portanto, fornece importantes evidências da estética da cidade às vésperas de sua destruição.
A casa foi construída sobre as ruínas de uma casa anterior que sobrevive, em parte, na forma das alas (alae) e uma entrada. A planta da casa dos Vettii tem dois grandes salões centrais (atria) e, significativamente, carece de um espaço de escritório (tablinum). A entrada para a casa foi construída ao leste por meio de um vestíbulo que permitiu a admissão ao átrio maior. O tanque de pedra para coletar água da chuva (impluvium) se encontra no centro do átrio. Este átrio maior se comunica diretamente com o peristilo (um pátio aberto rodeado por colunas Dóricas) por meio de um conjunto de portas de dobrar. O átrio menor era o centro da parte de serviços da casa, enquanto o peristilo e os seus quartos bem equipados se destinavam ao entretenimento e às refeições.
Pinturas de parede
O esquema decorativo da Casa dos Vettii fornece evidência importante para tendências em decoração doméstica nos anos finais da ocupação de Pompéia. Como que Pompéia sofreu um grande terremoto em 62 d.C. que causou destruição significativa, a cronologia dos murais e outras decorações na Casa dos Vettii têm sido um tópico de debate desde a descoberta da casa.
A maioria dos historiadores de arte apontam para o esquema decorativo da casa como sendo representativo de uma fase transitória importante, entre o Terceiro e Quarto estilos de murais de Pompeia. Alguns estudiosos já a consideram entre os melhores exemplos do Quarto Estilo em Pompeia. Paul Zanker vê os murais do Quarto Estilo como sendo imitações de formas superiores de arte, supondo que as pinturas escolhidas visavam transformar as salas em galerias de pinturas (pinacothecae).
O átrio é ricamente decorado, assim como as salas que abrem para o peristilo. Duas destas estavam em via de serem pintadas no momento da destruição, enquanto as outras três estavam ricamente decoradas com murais do Quarto Estilo. A maior delas, uma sala de jantar, é decorada com painéis em vermelho e preto com um motivo excepcionalmente belo de erotes ou putti (deuses mitológicos alados associados com o amor) envolvidos em várias atividades (imagem abaixo). As pinturas do painel central, que provavelmente deviam estar nas paredes, não sobreviveram. De forma geral o esquema de murais na casa dos Vettii sugere uma tentativa de decoração de interiores de vanguarda por parte dos proprietários.
No geral a evidência fornecida pela Casa dos Vettii oferece visões importantes da arquitetura doméstica e da decoração de interiores nos últimos dias da cidade de Pompéia. A casa em si é arquitetonicamente significativa, não só por causa de seu tamanho, mas também devido às indicações que ela fornece de importantes mudanças que estavam em andamento no projeto das casas Romanas durante o terceiro quarto do século I d.C.
Texto do Dr. Jeffrey A. Becker
Leituras sugeridas
Archer, W. C. 1990. “The paintings in the alae of the Casa dei Vettii and the definition of the Fourth Pompeian style.” American Journal of Archaeology 94.1:95-123.
Bergmann, B. 1994. “The Roman House as Memory Theater: The House of the Tragic Poet in Pompeii.” The Art Bulletin 76.2:225-256.
Clarke, J. R. 1991. The Houses of Roman Italy, 100 B.C.-A.D. 250: ritual, space, and decoration. Berkeley: Imprensa da Universidade da California.
Ling, R. 1991. Roman Painting. Cambridge: Cambridge University Press.
Richardson, Jr. L. 1988. Pompeii: An Architectural History. Baltimore: Johns Hopkins University Press.
Sewell, J. 2010. The formation of Roman urbanism, 338-200 B.C.: between contemporary foreign influence and Roman tradition. (Journal of Roman archaeology Supplementary series; 79). Portsmouth RI: Journal of Roman Archaeology.
Sogliano, A. 1898. “La Casa dei Vetti in Pompei.” Monumenti Antichi 8:234-387.
Trevelyan, R. 1976. The Shadow of Vesuvius: Pompeii AD 79. Londres: The Folio Society.
Wallace-Hadrill, A. 1988. “The Social Structure of the Roman House.” Papers of the British School at Rome 56:43–97.
Wallace-Hadrill, A. 1996. Houses and Society in Pompeii and Herculaneum. Princeton: Princeton University Press.
Zanker, P. 1998. Pompeii: Public and Private Life. Trans. D. L. Schneider. Cambridge, Mass.: Harvard University Press.
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