(piano jazz) Artistas amam retratar o corpo humano, mas há várias decisões a serem tomadas, e quando você retrata o corpo humano
em uma superfície bidimensional, essas decisões vêm a tona. Corpos existem no espaço portanto há várias maneiras de
representar formas tridimensionais em uma superfície
bidimensional, e quando você está retratando o corpo,
há outros tópicos difíceis, como de que forma representar
o movimento, o peso do corpo. E você assim o faz? Ou escolhe representar o corpo
de forma mais abstrata e transcendente? Uma das primeiras grandes pinturas
naturalistas do corpo humano surgiu na tradição clássica, isto é, o trabalho artístico dos gregos
e romanos antigos. Atualmente, a maior parte da
pintura grega está perdida, porém temos algumas pinturas
romanas antigas. Um grande exemplo disso pode ser visto
em um afresco, uma pintura em parede, de uma mulher e de sua filha em pé
atrás de uma cadeira. Pensamos ser sua filha.
É uma imagem muito antiga, portanto é muito difícil saber de forma
exata o que é mostrado. Verdade. Ela tem mais de dois mil anos. Então, como vemos em esculturas
da Grécia e Roma antigas, em arte bidimensional
e afrescos como este aqui, há um interesse em representar
de modo correto as proporções do corpo humano, e interesse em retratar, apesar de serem
figuras vestidas, a percepção de uma figura desnuda
que faça sentido por baixo do tecido. Temos uma percepção da massa,
dos volumes dos corpos, e lembrem-se, tudo isso está representado em uma superfície bidimensional portanto a habilidade de criar a percepção
de uma forma movimentando-se no espaço é
uma conquista. E quando você diz movimentando-se
no espaço, você se refere ao jogo de luz sobre
a superfície de uma figura de um jeito a faça parecer
tridimensional. Veja a ponta do travesseiro
em que ela está sentada. A parte de baixo tem sombra, a de cima tem um brilho, então temos uma percepção do
objeto no espaço. Portanto o artista criou uma ilusão
convincente nesta superfície bidimensional,
de uma forma tridimensional. Veja o instrumento que a mulher segura. O vemos em um ângulo
que aparenta estar em perspectiva. Parece que está saindo do espaço
em nossa direção, e por criar uma forma
em perspectiva, o artista nos convence de uma ilusão de espaço. Na verdade, há muita informação aqui onde o artista procura nos dar uma sensação de naturalismo,
de uma ilusão da realidade. Temos um instrumento musical
em perspectiva, o braço da cadeira em perspectiva, o naturalismo do corpo dela, a sensação de peso do corpo
conforme ela senta na cadeira. E claro, a criança que está atrás
da cadeira, para que saibamos que há espaço.
É um espaço relativamente estreito. Temos a parede atrás da criança. Todavia, vemos a mulher na frente,
a cadeira no centro, a menina atrás, e a parede atrás dela. Exatamente.
Temos uma ilusão de espaço temos uma ilusão de figuras
de três dimensões que existem dentro daquele espaço. Mas por toda a história, esta nunca foi a principal consideração
de um artista. Se olharmos para um mosaico medieval, quando a Europa estava dominada pelo
cristianismo, pelo pensamento cristão, vemos uma abordagem muito diferente
da figura humana. Estamos aqui olhando a um mosaico
de abside. Isto é feito de pequeninos
pedaços de vidro e pedra que está em uma igreja chamada
Santa Sofia. Isso é imenso. Tem quase cinco metros de altura, mas é muito mais estilizado que a pintura
romana. A imagem em si é um tanto simétrica. Por simetria, significa que se você cortar no centro, ambos os lados seriam
praticamente iguais, e que as figuras estão frontais. Este é um aspecto pouco realista. Por exemplo, se você entrar em uma
sala, quantas pessoas você veria exatamente
de frente? E você geralmente não vê imagens
com auréolas ao redor de suas cabeças ou fundos dourados atrás delas. Esta é uma representação espiritual. Esta é uma ilustração da Virgem Maria
e de seu filho, Cristo. O que estamos olhando agora aqui,
é uma representação celestial. Esta é uma representação simbólica. Apesar de haver alguma referência
a luz e sombras, especialmente nos tecidos
e nas almofadas. É uma imagem que foge
da tradição romana. No entanto, a preocupação principal
aqui é a abstração do corpo humano. E da abstração do espaço. Podemos dizer que os artistas
dos afrescos da Roma antiga faziam de tudo para nos convencer
da realidade de sua ilusão. Aqui, na Idade Média, o artista faz de tudo para nos convencer
da irrealidade de sua pintura. Ele removeu da imagem todo o cenário
terreno. Há aquele fundo dourado e
a imagem está alongada. O tecido descreve o corpo um pouco, mas está muito abstraído. Por abstraído, queremos dizer deslocado
da realidade. Portanto o alongamento deste corpo é uma forma de sinalizar ao espectador
que a imagem que vemos não é alguém que encontraríamos
em nosso dia a dia, que esse é alguém que existe no âmbito
espiritual. Cristãos neste ponto da história estão muito menos preocupados com a importância do campo físico
onde vivemos, mas muito mais focados na outra vida,
no reino espiritual. Agora, isso muda. Se movermos para a Renascença, veremos os cristãos absortos
com o aqui e agora. E vê-se isso em muitas obras
da Renascença. Nesta linda pintura de Giovanni Bellini, temos uma imagem espiritual. Esta é a Madonna e o Cristo em criança, mas em um belíssimo cenário terreno,
com uma paisagem atrás deles. As imagens não mais usam aquelas grandes auréolas
indicando sua condição divina. Seus corpos apresentam proporções
muito mais naturais, e movem-se de modo mais natural. Temos aquele interesse em tanto o
mundo natural como no naturalismo, no realismo
do corpo. Aqui há um artista encontrando um tipo de espiritualidade no encanto
da natureza, na beleza do corpo humano. Assim, temos um artista interessado em retornar as tradições antigas
da Grécia e Roma. Não digo que Bellini estava olhando especificamente aos murais romanos, pois isso seria difícil de saber,
mas havia um interesse geral no empenho clássico,
no mundo natural. E esta é uma das formas
pela qual definimos a Renascença, A Renascença como a ressurreição
da cultura da Grécia e Roma antigas. e artistas olhando para trás para aquela
tradição naturalista. Mas acredito ser importante ter cuidado para não olhar para a obra de Bellini
e dizer que tem mais êxito que o mosaico medieval. Estas são obras de arte que respondiam as necessidades de sua cultura,
aos interesses de sua cultura. Ambas são representações espetaculares, mas questões muito diversas
são importantes a elas. Os artistas que criaram o mosaico
de Santa Sofia não tinham interesse em retratar
a ilusão de realidade. Na verdade, o objetivo era o de
não criar a ilusão de realidade! Vemos isso acontecer novamente
no século XX com alguns artistas. Estamos olhando a um quadro da
Madonna e criança de um artista do século XX
chamado Eric Gill. Esta é uma gravura, e é muito
simplificada, muito abstrata. Vemos claramente a proximidade entre
a Virgem Maria e o Cristo criança, muito similar a intimidade que existe
em todas essas imagens. Mas é de um preto fechado e branco. É simplesmente traço e contorno. O artista a reduziu.
É como se fosse uma economia de traço que é interessante e importante
aos artistas do século XX, e aos artistas que possuem, de certo modo, o alcance inteiro da história
a sua disposição, que podem selecionar e eleger os estilos
com os quais querem trabalhar, e que procuram criar uma nova
linguagem através dessas escolhas. O uso de modelos está tão ultrapassado, ou chiaroscuro, aquele movimento de luz
do claro ao escuro, para criar a ilusão de formas
tridimensionais. Não temos nenhuma atmosfera de perspectiva
como há em Bellini, onde temos a percepção de espaço
profundo na paisagem. E mais ainda abstrato que o mosaico,
mas este é um artista que é familiarizado com todas essas imagens que vimos. E você poderia dizer que
na era da fotografia, por que criar realidade? Como todo artista antes dele, Eric Gill está fazendo escolhas e
produzindo arte que responde a perguntas relevantes
a sua cultura, que atendem às necessidade do
século XX. (piano jazz) (Legendado por: Anne Salvoni)
(Revisado por: Claudia Amaral Gouvea)