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Arquitetura e liturgia

Ensaio de Jennifer Freeman
Sacerdote recebendo a comunhão em frente ao altar (detalhe), "Master of the Church Fathers' Border", A Missa de São Gregório, final do século XV, metalcut (gravura em relevo) com traços de coloração a mão; segundo estágio 35,2 x 50,6 cm (Museu Metropolitano de Arte)
A relação entre liturgia e arquitetura, entre o culto e o espaço em que ele ocorre, tem uma rica história na tradição Cristã. Suas raízes remontam a bem antes do surgimento do Cristianismo até as origens do culto Judaico. O termo “liturgia” vem de uma palavra grega que significa “serviço público”, ou “trabalho do povo”, e foi por muito tempo usado para descrever o culto Cristão. Hoje, as igrejas são muitas vezes descritas como “litúrgicas” (por exemplo, as Católicas, as Episcopais) ou “não-litúrgicas” (por exemplo, a Batista e a Pentecostal) dependendo se usam ou não uma liturgia programada (tal como o Livro de Oração Comum Anglicano) . No entanto, no seu sentido mais elementar, uma liturgia é simplesmente a ordem dos eventos em um serviço religioso; portanto, todas as igrejas são litúrgicas, no sentido de que todos os seus serviços possuem algum tipo de estrutura (boas vindas, oração de abertura, canto de hinos, sermão, oração de encerramento, despedida, etc.).

Origens Judaicas

Como descrito na Bíblia Judaica (Êxodo 25-31), durante o seu exílio no deserto, os Israelitas faziam sacrifícios a Deus no Tabernáculo, que era uma enorme tenda móvel. Em um grande pátio externo, eles faziam sacrifícios, e queimaram incenso em uma câmara interior, chamada "Santo dos Santos". O Santo dos Santos abrigava a Arca da Aliança, que continha os Dez Mandamentos e o maná (a substância miraculosamente fornecida como alimento aos Israelitas no deserto), e foi onde Deus escolheu para revelar sua presença. Somente quando o Rei Salomão construiu o Templo em Jerusalém (possivelmente no século X a.C.) os Judeus tiveram um lugar permanente de adoração. Embora feito de pedra, o Templo tinha um traçado semelhante ao do Tabernáculo. Este Templo foi destruído em 586 a.C. e foi substituído pelo Segundo Templo (agora o local da Cúpula da Rocha em Jerusalém, imagem abaixo).
Vista da Cúpula da Rocha com a parede ocidental do Segundo Templo no primeiro plano, Jerusalém (foto: askii, CC BY-SA 2.0)
Não sabemos muito sobre os detalhes da liturgia do Templo, mas o culto incluía sacrifícios de animais, queima de incenso, cânticos dos Salmos, bênçãos, e a confecção e consumo do "pão da proposição" (pão colocado numa mesa especialmente reservada no Templo como uma oferta a Deus).
Detalhe do painel em Relevo mostrando os Espólios de Jerusalém sendo trazidos para Roma, Arco de Tito, Roma, após 81 d.C., mármore, 2,4 metros de altura
Detalhe do painel em relevo mostrando os Espólios de Jerusalém sendo trazidos para Roma, Arco de Tito, após 81 d.C., mármore, 2,4 metros de altura, Roma
Depois que o líder Romano (e mais tarde imperador) Tito destruiu o Segundo Templo em 70 d.C., os Judeus foram forçados a cultuar apenas em suas sinagogas, que eram, e continuam sendo, salões para oração e estudo (mas não para sacrifício). Além de cantar salmos, orações e bênçãos, os serviços na sinagoga também incluíam a leitura de escrituras e ensinamentos. Isto se refletiu na arquitetura da sinagoga, que incluiu a bema, uma plataforma a partir da qual os homens podiam ler as escrituras e ensinar.

O culto primitivo Cristão

Muitos dos primeiros cristãos eram Judeus e assim continuaram e reinterpretaram muitas práticas do Templo e da sinagoga. Sabemos, a partir de textos Cristãos primitivos, tais como os escritos de Tertuliano, Ireneu de Lyon e Justino, e o Didaquê (texto do primeiro ou segundo século possivelmente de origens Sírias) e o livro do Novo Testamento dos Hebreus, onde o culto primitivo Cristão incluiu algum tipos de declaração de credo, hinos, orações, a leitura da Septuaginta (a Bíblia Hebraica traduzida para o grego), ensinamentos, refeições, e batismo.
Representação isométrica do edifício Cristão em Dura Europo (c. 240 d.C.), por Henry Pearson, 1932-34
Representação isométrica do edifício Cristão em
Dura Europo (c. 240 d.C.), por Henry Pearson, 1932-34
Antes do ano 313 d.C., quando o imperador Constantino legalizou o Cristianismo com o Decreto de Milão, o culto Cristão ocorria em casas, em túmulos de santos e entes queridos, e até mesmo ao ar livre. Uma das primeiras igrejas existentes (datando de cerca de 254 d.C.) é encontrada em Dura Europo, um posto avançado Romano na Síria (esboço da planta, acima). Esta pequena igreja tinha sido convertida a partir de uma típica casa Romana, que tinha um traçado quadrado com um pátio no seu centro. Os membros da igreja aparentemente derrubaram uma das paredes para criar um salão maior para o ensino e a celebração da eucaristia (para os Católicos, a transformação milagrosa do pão e do vinho no corpo e no sangue de Cristo). Um dos quartos também foi transformado em um batistério, que contém alguns dos mais antigos afrescos Cristãos sobreviventes.
Vista a partir da nave central de um dos dois corredores laterais, Basílica de Magêncio e Constantino (Basílica Nova), Fórum Romano, c. 306-312 d.C. (foto: profzucker, CC BY-NC-SA 2.0)

Uso cristão da basílica Romana

Não muito tempo após a sua conversão e da posterior legalização do Cristianismo, Constantino iniciou uma extensa campanha de construção para apoiar sua nova religião oficial em grandes cidades como Roma, Jerusalém e Constantinopla. Ao procurar uma estrutura para atender às necessidades de espaço para o desenvolvimento da liturgia Cristã (por exemplo o aumento do tamanho da congregação e procissões mais elaboradas), ele adaptou a basílica Romana, que até então tinha sido usada exclusivamente como um edifício cívico, como a Basílica de Magêncio e Constantino (acima).
As basílicas Romanas eram longas construções retangulares, muitas vezes com uma nave central (um largo corredor central) e dois corredores laterais. Havia pelo menos uma abside semicircular, muitas vezes em uma extremidade do edifício, na qual os magistrados sentavam e ouviam seus processos. A basílica era de muitas formas o edifício perfeito para se adaptar a uma igreja porque não tinha as relações pagãs que os templos Romanos tinham e era grande o suficiente para acomodar a crescente população Cristã.
Vista exterior da abside, Basílica de Santa Sabina, c. 432 d.C., Roma (foto: profzucker, CC BY-NC-SA 2.0)
As basílicas Cristãs primitivas como a Santa Sabina (acima) e a San Paolo fuori le Mura (São Paulo Extramuros), mantiveram a estrutura básica da basílica Romana, mas claramente elementos cristãos foram adicionados. A bema foi mantida da sinagoga e continuou sendo utilizada como plataforma superior da qual os padres pregavam (por volta do fim da Idade Média a ela foi muitas vezes anexado um pilar em um lado do corredor central da nave). Muitas igrejas adicionaram o ambão, uma plataforma ainda mais alta, acessível por escadas, de onde o Evangelho era lido e os sermões eram pregados; nesse caso a bema era reservada para as orações e a leitura das Epístolas ou do Velho Testamento. Outro elemento da arquitetura distintamente Cristão era o transepto, que era adicionado perto do final do abside do edifício para formar uma cruz e prover espaço adicional (ver a planta abaixo).
Vista da nave em direção à abside com altar, Basílica de Santa Sabina, c. 432 d.C., Roma (foto: profzucker, CC BY-NC-SA 2.0)
A mais significativa entre as contribuições cristãs à basílica, e o foco central para a liturgia, foi o altar no qual a eucaristia era celebrada. Os altares eram localizados ou bem em frente ou dentro da abside (como na Santa Sabina, acima); isto é, dentro do equivalente Cristão do Santo dos Santos Judaico. Até a Idade Média, a maioria dos altares eram estruturas de madeira com forma de mesa; eles então passaram a ser de pedra. No início do século V, a Igreja formalmente exigia a instalação de relíquias de santos (frequentemente fragmentos de ossos) em altares. Esta prática de baseava, em parte, na tradição de colocar altares em cima de tumbas de mártires (como na Basílica de São Pedro em Roma) e no texto do Apocalipse 6:9-10, que descreve mártires clamando por justiça sob o altar no paraíso. As três principais áreas da igreja passaram a ser atribuídas com significado simbólico: o nártex, ou entrada, era o mundo; a nave, ou salão principal, era o Reino de Deus; e o santuário, ou área do altar, como o Santo dos Santos, era o céu.
Planta baixa da igreja medieval

O culto medieval

As estruturas tanto da liturgia como da arquitetura da igreja permaneceram basicamente iguais na Idade Média, mas se tornaram cada vez mais complexas e diversas na medida que o Cristianismo se espalhou por todo o império. Podemos pensar na liturgia como o roteiro e a arquitetura da igreja como o palco em que era executada (abaixo). Os "atores" eram o clero, é claro, consistindo de sacerdotes, diáconos e assistentes litúrgicos, mas a congregação também tinha um papel essencial. Eles não só participavam da chamada e resposta às orações e hinos na liturgia e caminhavam em procissões dentro e fora das paredes da igreja, mas também praticavam devoção pessoal durante a celebração da liturgia. Não era incomum que os leigos andassem pelo edifício independentemente da liturgia para rezar ou acender velas nos santuários menores das capelas secundárias de uma igreja.
Vista da nave para o altar por Michael Pacher (1471-81), Igreja Paroquial, São Wolfgang, Áustria (foto: Steven Zucker, CC BY-NC-SA 2.0)
Vista da nave para o altar por Michael Pacher (1471-81), Igreja Paroquial, São Wolfgang, Áustria (foto: Steven Zucker, CC BY-NC-SA 2.0)
Assim como ainda ocorre em igrejas modernas, a liturgia e a arquitetura se influenciavam mutuamente durante a Idade Média. As paredes e os chãos das igrejas medievais frequentemente eram cobertas com placas e tumbas dedicadas a membros da igreja e a santos, bem como com as imagens de Cristo, de Maria, de santos, e de anjos. Essas imagens e memoriais influenciavam os movimentos dos fiéis, que se moviam dentro do interior da igreja para venerar os seus favoritos em particular. Um santuário de um santo popular ou historicamente importante iria receber mais atenção, talvez na forma de doações, e portanto seria decorado. Ou se, por exemplo, os ossos de um santo ou de um mártir estivessem enterrados em local específico da igreja, outros buscariam ser enterrados tão próximos quanto possível daquela tumba, e assim por diante. Estas eram apenas algumas das muitas formas pelas quais que a teologia e a prática devocional podiam influenciar o ambiente da igreja e vice-versa.
Havia também áreas da igreja que eram proibidas para os leigos (o público que não era do clero), mais notavelmente a área do altar. Inicialmente o uso de capelas mor (abaixo) ou paredes na altura da cintura, eram empregadas para separar a congregação do altar por razões muito práticas, como manter os cães longe do pão e do vinho da eucaristia ou deter grandes multidões em feriados importantes. No entanto, com o tempo, essas divisões foram feitas mais altas e mais ornamentadas, com seu pico no final da Idade Média, quando muitas vezes alcançavam o teto da igreja e obstruíam completamente a visão do altar pela congregação.
Capela mor (século IX), Basílica de Santa Sabina, c. 432 d.C., Roma (foto: profzucker, CC BY-NC-SA 2.0)

Relíquias e Peregrinação

Imagens e relíquias também influenciaram a atividade religiosa em uma escala muito maior além das paredes da igreja. A peregrinação religiosa tinha sido uma parte importante da devoção Cristã desde a época de Constantino e sua campanha de construções na Terra Santa e Constantinopla (uma peregrinação é uma viagem para um lugar sagrado). Certamente, nem todo mundo estava financeiramente ou fisicamente apto a fazer tal caminhada e, em resposta, a arquitetura da igreja e os objetos religiosos (como relicários) começaram a invocar elementos de determinados locais de peregrinação, ou recriar peregrinações em menor escala. Por exemplo, os elementos arquitetônicos de construções da Terra Santa, como a Igreja do Santo Sepulcro, eram frequentemente citados nas igrejas da Europa Ocidental, ou mesmo explicitamente invocados, como no nome da basílica de Santa Croce in Gerusalemme (a basílica da Santa Cruz em Jerusalém) em Roma. Relíquias de santos importantes também foram usadas para despertar atenção. Por exemplo, a fundação de um novo centro político (digamos, o palácio de Carlos Magno e a capela de Aquisgrana) muitas vezes implicava no deslocamento de relíquias para incorporar a aprovação e autoridade divinas e/ou atrair peregrinos e visitantes.

Arquitetura espiritual

Capela de São Venceslau, Catedral de Praga (foto: Woodlet, CC BY-NC-ND 2.0)
Capela de São Venceslau, 1344-64, Catedral de Praga (foto: Woodlet, CC BY-NC-ND 2.0)
Devemos observar também que, em certo sentido, a progressão física dos fiéis da nave da igreja para o altar, se e quando participassem da eucaristia, era em si uma versão local, em pequena escala, de uma peregrinação, na qual eles se moviam da sua realidade presente para a futura promessa do paraíso. O entendimento espiritual da igreja e sua arquitetura também impactaram no projeto real das igrejas medievais. Passagens bíblicas como o Apocalipse 21:9-21, que descreve uma visão de um anjo medindo a cidade de Jerusalém Celestial, inspirou os Cristãos medievais a atribuir significado espiritual às dimensões e proporções da arquitetura da igreja. O Apocalipse 21:9-21 é ilustrado, por exemplo, no manuscrito do século XI do Comentário sobre o Apocalipse do Beato de Liébana (abaixo), que retrata um anjo segurando uma vara de medição no centro da cidade enquanto doze anjos se encontram em suas doze portais , tornando-se visualmente parte da arquitetura da Jerusalém Celestial. Enquanto, de certo modo, todas as igrejas medievais eram entendidas como sendo símbolos da Jerusalém Celestial, algumas invocaram seu imaginário mais literalmente, como encontrado no uso de pedras semipreciosas (Apoc. 21:9,19) encravadas no rodapé (paredes inferiores) das capelas de Santa Catarina e da Santa Cruz em Karlstein, e na capela de São Venceslau na Catedral de Praga (acima).
Beato de Liébana, Comentário sobre o Apocalipse (Madri, Biblioteca Nacional), f. 253v
Beato de Liébana, Comentário sobre o Apocalipse, século XI (Madri, Biblioteca Nacional), f. 253v
Um outro exemplo de arquitetura espiritual se encontra no complexo monástico de Planta de São Galo (c. 820 d.C.), cujo propósito exato continua sendo uma questão de debate acadêmico atualmente. O monasticismo Cristão remonta aos monges do deserto do século IV. Os monges levavam vidas de pobreza, oração e ascetismo que foram formalizados em vários manuais ou "regras" importantes; uma das mais influentes foi a Regra de São Bento, que regulava as vidas dos monges por meio da oração de hora em hora e da celebração da liturgia, ou dos "ofícios". Alguma coisa dessa regulamentação é visível na Planta de São Galo, que descreve mais de quarenta estruturas, incluindo uma igreja, um scriptorium (um lugar onde monges que eram escribas copiavam livros), dormitórios, e edifícios para preparar e comer os alimentos. Grades e praças dominam os edifícios e jardins da Planta, criando um sentido visual de ordem. Independentemente do fato de seu elaborado esquema fosse destinado à construção de um edifício real no império Carolíngio, parece que a Planta de São Galo foi destinada a ser um diagrama do no mosteiro ideal, espiritual.
Detalhe, Planta de São Galo, aprox. 820 d.C.

Mapeando o tempo

Em suma, enquanto havia uma gama de práticas e entendimentos da igreja e de sua liturgia por toda a Europa, do camponês que raramente frequentava a igreja, se é que o fazia, ao clero que usava e frequentemente encomendava construções e mobiliário, aos aristocratas que financiavam grande parte da arte monumental e dos manuscritos medievais, até aos reis e o próprio imperador, a vida na Idade Média era medida pelo calendário litúrgico. As igrejas eram os pontos focais do cenário medieval e as suas cerimônias e procissões periodicamente mapeavam o sagrado, até mesmo além das paredes da igreja.
Ensaio de Jennifer Freeman

Recursos Adicionais:
Mary Carruthers, The Craft of Thought: Meditation, Rhetoric, and the Making of Images, 400-1200 (Nova Iorque: Cambridge University Press, 1998).
Allan Doig, Liturgy and Architecture: From the Early Church to the Middle Ages(Burlington, VT: Ashgate, 2008).
Thomas J. Doig e E. Ann Matter, eds. The Liturgy of the Medieval Church, 2ª ed. (Kalamazoo, MI: Medieval Institute Publications, 2005).
Richard Kieckhefer, Theology in Stone: Church Architecture from Byzantium to Berkeley (Nova Iorque: Oxford University Press, 2005).
Cyrille Vogel, Medieval Liturgy: An Introduction to the Sources. Revisado e traduzido por William G. Storey e Niels Krogh Rasmussen, (O.P. Washington, D.C.: The Pastoral Press, 1986).
James F. White, A Brief History of Christian Worship (Nashville, TN: Abingdon Press, 1993).

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