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Conteúdo principal

Um gene, uma enzima

Experiências históricas: estudos de Garrod sobre alcaptonúria, trabalho com mutantes de Neurospora feitos por Beadle e Tatum.

Pontos Principais:

  • A hipótese um gene, uma enzima defende a ideia de que cada gene codifica uma única enzima. Atualmente sabe-se que esta ideia é no geral (mas não exatamente) correta.
  • Sir Archibald Garrod, um médico inglês, foi o primeiro a sugerir que os genes estavam ligados à enzimas.
  • Beadle e Tatum confirmaram a hipótese de Garrod, usando estudos genéticos e bioquímicos do mofo do pão Neurospora.
  • Beadle e Tatum identificaram mutantes do mofo do pão que eram incapazes de produzir aminoácidos específicos. Em cada um, uma mutação "quebrou" uma enzima necessária à construção de um determinado aminoácido.

Introdução

Hoje sabemos que um gene típico fornece instruções para construção de uma proteína, que por sua vez ativa determinadas características observáveis de um organismo. Por exemplo, atualmente se sabe que o gene de coloração de flor, descoberta de Gregor Mendel, especifica uma proteína que ajuda na produção de moléculas de pigmento, dando uma coloração roxa às flores quando funciona corretamente.
Mendel, no entanto, não sabia que os genes (que ele chamou de "fatores hereditários") especificam proteínas e outras moléculas funcionais. Na verdade, ele nem imaginava como os genes afetavam as características observáveis dos organismos vivos. Quem, então, fez a primeira conexão entre genes e proteínas?

Os problemas "inatos do metabolismo" de Garrod"

Muitas vezes vemos casos onde os avanços da biologia básica acontecem no laboratório. Mas, eles também podem acontecer na cabeceira! Sir Archibald Garrod, um médico inglês trabalhando na virada do século 20, foi o primeiro a estabelecer a conexão entre os genes e a bioquímica no corpo humano.
Retrato de Sir Archibald Garrod. A fotografia em preto e branco, descreve Garrod, olhando uma pilha de papéis, com óculos na mão.
_Imagem modificada de "Archibald Edward Garrod." Imagem original por Frederick Gowland Hopkins (CC BY 4.0)._
Garrod trabalhou com pacientes que tinham doenças metabólicas e observou que essas doenças, com frequência, eram comuns na família. Ele focou em pacientes com o que chamamos de alcaptonúria. Esta é uma doeça não fatal onde a urina da pessoa tornava-se preta, pois eles não podem quebrar uma molécula chamada alcapton (a qual, em pessoas normais sem a doença, divide-se em outras moléculas incolores).1
Observando a árvore genealógica das pessoas com essa doença, Garrod concluiu que alcaptonuria seguia um padrão de herança recessiva, como alguns das características que Mendel estudou nas suas plantas de ervilhas. Garrod teve a ideia de que os pacientes com alcaptonuria deviam ter um defeito metabólico na quebra do alcapton e que esse defeito poderia ser causado pela forma recessiva de um fator hereditário de Mendel (isto é, um alelo recessivo de um gene).2
Garrod referiu-se a isto como um “erro inato do metabolismo” e observou que outras doenças seguiam padrões semelhantes. Ainda que a natureza do gene não estivesse bem compreendida naquela época, por Garrod ou por qualquer outra pessoa, Garrod é atualmente considerado "o pai da genética química" – ou seja, o primeiro a estabelecer a ligação entre os genes e as enzimas que realizam as reações metabólicas.3

Beadle e Tatum: conectando os genes com as enzimas

Lamentavelmente as ideias de Garrod passaram despercebidas naquele tempo. Na realidade, foi só depois que dois outros pesquisadores, George Beadle e Edward Tatum, realizaram uma série de experiências inovadoras nos anos 1940 que o trabalho de Garrod foi redescoberto e valorizado.4
Beadle e Tatum trabalharam com um organismo simples: o fungo/mofo comum de pão, ou Neurospora crassa. Utilizando Neurospora, eles foram capazes de mostrar uma clara ligação entre os genes e as enzimas metabólicas.

Por que o fungo do pão é ótimo para experiências?

Você deve estar imaginando: por que Beadle e Tatum escolheram algo tão repulsivo (e aparentemente sem importância) para estudar, como o fungo do pão?
Bem... em primeiro lugar, Beadle planejou trabalhar com a mosca de fruta Drosophila (também um pouco desagradável, mas um organismo muito mais comum para experimentos naquele tempo). No entanto, conforme ele foi ficando cada vez mais interessado na ligação entre genes e metabolismo, ele percebeu que Neurospora poderia dar a ele uma forma melhor de responder as questões acerca das quais ele tinha interesse. Por um lado, Neurospora tinha um ciclo de vida rápido e conveniente, com fases aploide e diploide que facilitam a realização de experimentos genéticos.5
Meio mínimo: continha açúcar, sais e biotina
Meio completo: continha açúcar, sais, aminoácidos e muitas vitaminas
Talvez o mais importante é que as células de Neurospora podiam ser cultivadas em laboratório, em meio de cultura simples (caldo ou gel de nutrientes) cuja composição química era 100% conhecida e controlada pelo pesquisador. De fato, as células podiam ser cultivadas em meio mínimo, uma fonte de nutrientes contendo apenas açúcar, sais e uma vitamina (biotina). As células de Neurospora podem sobreviver nesse meio, enquanto muitos outros organismos (como os humanos!) não podem. Isto se deve ao fato de que Neurospora tem vias bioquímicas que transformam açúcar, sais e biotina em todos os outros blocos de construção necessários para as células (tais como aminoácidos e vitaminas).6
As células de Neurospora também crescem felizes em meio completo, o qual contém um conjunto completo de aminoácidos e vitaminas. Elas apenas não dependem de meio completo para viver.

Vamos fazer alguns mutantes!

Se os genes são ligados com as enzimas bioquímicas, Beadle e Tatum pensaram que seria possível induzir mutações, ou mudanças nos genes, que "quebrem" enzimas específicas (e assim, vias específicas) necessárias para o crescimento num meio de cultura mínimo. Uma linhagem de Neurospora com essa mutação iria crescer normalmente num meio completo, mas perderia sua capacidade de sobreviver num meio de cultura mínimo.7
  1. Obter esporos de Neurospora.
  2. Expor os esporos aos raios-x. Alguns esporos, agora, têm mutações aleatórias.
  3. Cruzar os esporos normais (esporos não irradiados) e coletar os esporos da progênie.
  4. Transferir cada esporo de progênie individualmente para seu próprio tubo de meio completo, para fazerem uma colônia.
  5. Transferir parte de cada colônia para seu próprio tubo de meio mínimo.
  6. Os mutantes nutricionais podem ser identificados como colônias que cresceram no meio completo, mas não cresceram quando transferido para o meio mínimo.
Diagrama baseado no diagrama similar em Griffiths et al. 8.
Para procurar mutantes com essas características, Beadle e Tatum expuseram esporos de Neurospora à radiação (Raio X, UV ou nêutrons) para produzir novas mutações. Após alguns poucos passos de limpeza genética, eles pegaram os descendentes dos esporos irradiados e cultivaram-nos individualmente em tubos de ensaio contendo meio completo. Quando cada esporo estabeleceu uma colônia crescente, uma pequena parte da colônia foi transferida para outro tubo contendo meio de cultura mínimo.
A maioria das colônias cresceu nos dois meios, completo ou mínimo. No entanto, algumas poucas colônias cresceram normalmente no meio completo. Esses eram os mutantes nutricionais que Beadle e Tatum esperavam encontrar. No meio mínimo, cada mutante iria morrer, pois ele não poderia produzir uma molécula essencial particular além dos nutrientes mínimos. O meio completo iria "resgatar" o mutante (permitir que ele vivesse) provendo a molécula que faltava, junto com uma variedade de outras.9

Focando a via da quebra

Para descobrir qual via metabólica foi "quebrada" em cada mutante, Beadle e Tatum realizaram um experimento inteligente, de duas etapas.
Primeiro eles cultivaram cada mutante em meio de cultura mínimo suplementado ou com o conjunto completo de aminoácidos ou com o conjunto completo de vitaminas (ou açúcares, mas não vamos examinar esse caso aqui).8,10
  • Se um mutante cresce no meio mínimo com aminoácidos (mas sem vitaminas), ele deve ser incapaz de produzir um ou mais aminoácidos.
  • Se um mutante cresce no meio de cultura com vitaminas mas não cresce no meio com aminoácidos, ele deve ser incapaz de produzir uma ou mais vitaminas.
  1. Inicie com um mutante nutricional. Por definição, o mutante nutricional pode crescer no meio completo, mas não no meio mínimo.
  2. Agora, vamos descobrir o que no médio completo é o que o mutante nutricional precisava para crescer. Para fazer isso, transferimos um pouco da colônia em cada um dos dois tubos: um com um conjunto de meio mínimo + conjunto completo de vitaminas, outra para um meio mínimo + todos os 20 amino ácidos.
  3. Neste exemplo, o mutante é salvo pela mistura dos 20 aminoácidos, mas não pelo conjunto das vitaminas. Isto indica que a mutação tornou o mutante incapaz de sintetizar um ou mais aminoácidos
  4. Uma vez que o mutante é salvo pela mistura dos aminoácidos, a pergunta seguinte é: qual(is) aminoácido(s) ele é incapaz de produzir? Para responder a esta questão transferimos um pouco da colônia mutante para cada um de 20 tubos. Cada tubo contém meio mínimo e mais um dos 20 aminoácidos.
  5. Neste exemplo, o mutante pode crescer no tubo contendo meio mínimo + arginina, mas não em qualquer um dos outros 19 tubos (isto é, o mutante é salvo pela arginina). Isso indica que a mutação desse mutante interrompe a biossíntese de arginina.
Diagrama baseado no diagrama similar em Griffiths et al. 8.
Beadle e Tatum além disso, determinaram o caminho "quebrado" em cada mutante através de uma segunda bateria de testes. Por exemplo, se um mutante cresce no meio mínimo contendo todos os 20 aminoácidos, eles em seguida testavam em 20 tubinhos diferentes, cada um contendo meio de cultura mínimo e apenas um dos 20 aminoácidos. Se o mutante crescesse em algum desses tubinhos, Beadle e Tatum sabiam que o aminoácido desse frasco deveria ser o produto final da via interrompida no mutante.8
Dessa forma, Beadle e Tatum ligaram muitos mutantes nutricionais com vias de aminoácidos específicos e a vitaminas biossintéticas. Seu trabalho produziu uma revolução no estudo da genética e mostrou que genes individuais estavam realmente ligados a enzimas específicas.11

"Um gene - uma enzima" hoje

O elo descoberto entre genes e enzimas foi inicialmente chamado de hipótese de “um gene - uma enzima”. Esta hipótese sofreu algumas atualizações importantes desde Beadle e Tatum12,13:
  • Alguns genes codificam proteínas que não são enzimas. Enzimas são apenas uma categoria de proteína. Nas células há muitas proteínas que não são enzimas e essas proteínas também são codificadas pelos genes.
  • Alguns genes codificam uma subunidade de proteína, não uma proteína inteira. Em geral, um gene codifica um polipeptídeo, isto é, uma cadeia de aminoácidos. Algumas proteínas consistem de vários polipeptídeos de diferentes genes.
  • Alguns genes não codificam polipeptídeos. Alguns genes realmente codificam moléculas de RNA funcional ao invés de polipeptídeos!
Embora o conceito de "um gene-uma enzima" não seja exato, sua ideia central - de que um gene normalmente especifica uma proteína numa relação um para um - permanece útil aos geneticistas até hoje.

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