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Mulher com chifres correndo, Tassili n’Ajjer

Mulher com Chifres Correndo, 6000-4000 a.C., pigmento sobre rocha, Tassili n'Ajjer, Argélia
Mulher com Chifres Correndo, 6000-4000 a.C., pigmento sobre rocha, Tassili n'Ajjer, Argélia

"Descoberta"

Entre 1933 e 1940, o oficial do corpo de camelos, Tenente Brenans, da Legião Estrangeira Francesa, realizou uma série de pequenos esboços e notas manuscritas detalhando sua descoberta de dezenas de sítios de arte rupestre no fundo dos cânions do Tassili n'Ajjer. Tassili n'Ajjer é um platô de difícil acesso na parte Argelina do Deserto do Saara, perto das fronteiras da Líbia e do Níger, no norte da África (ver mapa abaixo). Brenans doou centenas de seus esboços para o Museu do Bardo em Argel, alertando a comunidade científica sobre uma das mais ricas concentrações de arte rupestre na Terra e motivando visitas ao local, que incluíram a do colega e arqueólogo Francês Henri Lhote. Lhote reconheceu a importância da região e retornou repetidas vezes, especialmente em 1956 com uma equipe de copistas para uma expedição de 16 meses, para mapear e estudar a arte rupestre do Tassili. Dois anos depois Lhote publicou A la découverte des fresques du Tassili. O livro se tornou um best-seller instantâneo, e hoje é um dos textos mais populares sobre a descoberta arqueológica.
Areia e pedras, Tassili n'Ajjer, Argélia (photo: Akli Salah, CC BY-SA 4.0)
Areia e pedras, Tassili n'Ajjer, Argélia (foto: Akli Salah, CC BY-SA 4.0)
Lhote tornou famosa a arte rupestre africana ao trazer algumas das 15.000 figuras humanas, gravuras e pinturas de animais encontradas nas paredes rochosas dos muitos desfiladeiros do Tassili e que abrigaram as obras do público geral. No entanto, ao contrário da impressão deixada pelo título de seu livro, nem Lhote nem sua equipe poderiam reivindicar a descoberta destes trabalhos ancestrais do Saara central: muito antes de Lhote e mesmo antes de Brenans, no final do século XIX, vários viajantes da Alemanha, Suíça e França haviam notado a existência de "estranhas" e "importantes" esculturas rochosas em Ghat, Tadrart Acacus e no alto Tassili. Mas foram os Tuareg—povos indígenas da região, muitos dos quais serviram de guias para esses primeiros exploradores europeus—que há muito sabiam sobre as pinturas e gravuras cobrindo os rostos de pedra do Tassili.
Tassili n'Ajjer é um nome Tamahaq (idioma tuaregue) que significa "planalto" do povo Ajjer (o Kel Ajjer é um grupo de tribos cujo território tradicional era aqui). Grande parte do planalto de 1.500-2.100 metros de altura é protegido por um parque nacional de 80 mil quilômetros quadrados.
Tassili n'Ajjer é um nome Tamahaq (idioma tuaregue) que significa "planalto" do povo Ajjer (o Kel Ajjer é um grupo de tribos cujo território tradicional era aqui). Grande parte do planalto de 1.500-2.100 metros de altura é protegido por um parque nacional de 80 mil quilômetros quadrados.
Tassili n'Ajjer é um nome Tamahaq (idioma tuaregue) que significa "planalto" do povo Ajjer (o Kel Ajjer é um grupo de tribos cujo território tradicional era aqui). Grande parte do planalto de 1.500-2.100 metros de altura é protegido por um parque nacional de 80 mil quilômetros quadrados.

A "Deusa com Chifres"

Lhote não publicou apenas reproduções das pinturas e gravuras que encontrou nas paredes de rocha do Tassili, mas também suas observações. Em um trecho ele relatou que com uma lata de água e uma esponja na mão, ele começou a investigar uma "figura curiosa" descoberta por um membro da sua equipe em um abrigo da pedra isolado, localizado dentro de um grupo compacto de montanhas conhecido como o maciço de Aouanrhet, a mais alta de todas as "cidades de rocha" no Tassili. Lhote limpou a parede com água para revelar uma figura que ele chamou de a "Deusa com Chifres":
Na úmida superfície da rocha foi encontrada a graciosa silhueta de uma mulher correndo. Uma de suas pernas, ligeiramente flexionada, apenas tocava o chão, enquanto a outra estava normalmente elevada no ar. Dos joelhos, do cinto e dos braços, amplamente estendidos, caiam finas franjas. De ambos os lados da cabeça e acima de dois chifres que se espalhavam horizontalmente, havia uma extensa área pontilhada que lembrava uma nuvem de grãos caindo de um campo de trigo. Embora todo o conjunto tenha sido hábil e cuidadosamente composto, havia a respeito dele alguma coisa livre e simples.
Visíveis nesta reprodução da pintura original em pedra estão dois agrupamentos, em ocre vermelho, de pequenas figuras humanas sobrepostas à deusa com chifres
Visíveis nesta reprodução da pintura original em pedra estão dois agrupamentos, em ocre vermelho, de pequenas figuras humanas sobrepostas à deusa com chifres
Mulher com Chifres Correndo, título pelo qual a pintura é comumente conhecida hoje, foi encontrada em um maciço tão isolado e de tão difícil acesso, que a equipe de Lhote concluiu que a coleção de abrigos era provavelmente um santuário, e a figura feminina—"a mais bela, a mais completa e a mais original "—uma deusa:
"Talvez tenhamos aqui a figura de uma sacerdotisa de alguma religião agrícola ou a imagem de uma deusa de tal culto que prefigura—ou deriva da—deusa Ísis, a quem, no Egito, foi atribuída a descoberta da agricultura."
A sugestão de Lhote de que a origem da pintura era Egípcia foi influenciada por uma hipótese recentemente publicada por seu mentor, o antropólogo Francês Henri Breuil, a então incontestável autoridade na arte rupestre pré-histórica, que era reconhecido por seu trabalho na arte Paleolítica das cavernas da Europa. Em um ensaio intitulado, "A Dama Branca de Brandberg, Sudoeste Africano, Seus Acompanhantes e Seus Guardas", Breuil fez uma alegação que se tornou famosa, que uma pintura descoberta em um pequeno abrigo de pedra na Namíbia mostrava influências da antiguidade Clássica e não era Africana na origem, mas possivelmente o trabalho de viajantes Fenícios do Mediterrâneo. Lhote, igualmente convencido da interferência externa, vinculou a proveniência da pintura do Tassili com as ideias de Breuil e alterou o seu nome para 'A Dama Branca de Aouanrhet":
Em outras pinturas encontradas alguns dias mais tarde no mesmo maciço, fomos capazes de discernir, a partir de algumas características, uma indicação da influência Egípcia. Algumas particularidades são, sem dúvida, não muito acentuadas em nossa "Dama Branca", ainda assim, alguns detalhes como a curva dos seios, nos levaram a pensar que a imagem pode ter sido feita em um período em que as tradições Egípcias começaram a ser sentidas no Tassili.

Influência estrangeira?

O tempo e os estudos revelariam que a atribuição de influência Egípcia sobre a Mulher com Chifres Correndo era errônea, e Lhote a vítima de um embuste: membros Franceses de sua equipe fizeram "cópias" de figuras parecidas com as Egípcias, passando-as como reproduções fiéis das autênticas pinturas nas paredes rochosas do Tassili. Estas imitações foram aceitas por Lhote (se de fato ele não soubesse nada sobre estas falsificações), e falsamente sustentaram sua crença na possibilidade de interferência estrangeira na arte rupestre do Saara Central. As teorias de Breuil foram igualmente desacreditadas: o mito da "Dama Branca" foi rejeitado por todos os arqueólogos de renome, e sua defesa da influência estrangeira considerada racista.
O planalto de Tassili, aclamado como "o maior centro de arte pré-histórica do mundo": cortes nas bases do penhasco criaram abrigos rochosos com paredes lisas ideais para a pintura e gravura. As formações geológicas singulares do Tassili de pilares e arcos de pedra arenosa erodida—"florestas de pedra"—lembram uma paisagem lunar. (foto: Marina & Enrique, CC BY-NC-ND 2.0)
O planalto de Tassili, aclamado como "o maior centro de arte pré-histórica do mundo": cortes nas bases do penhasco criaram abrigos rochosos com paredes lisas, ideais para a pintura e a gravura. As formações geológicas singulares do Tassili, de pilares e arcos de pedra arenosa erodida—"florestas de pedra"—lembram uma paisagem lunar. (foto: Marina & Enrique, CC BY-NC-ND 2.0)
No entanto, Breuil e Lhote não estavam sozinhos ao achar difícil de acreditar que os antigos Africanos haviam descoberto como fazer arte por conta própria, ou ter desenvolvido sensibilidades artísticas. Até muito recentemente um grande número de Europeus sustentavam que a arte "se difundiu" ou foi "levada" à África, e, tentando provar esta tese, batizaram várias obras com nomes que soavam Clássicos, e procuraram semelhanças com a arte rupestre na Europa. Embora tais vestígios do pensamento colonial estejam sendo corrigidos atualmente, casos como o da "Dama Branca" (tanto na Namíbia quanto no Tassili) nos lembram dos perigos de impôr valores culturais de fora.

Cronologia

Embora ainda tenhamos que aprender como, e em que locais, a prática da arte rupestre começou, não foi encontrada nenhuma evidência firme que revelasse que a arte Africana na rocha—em torno de 10 milhões imagens em todo o continente—era algo além de uma iniciativa espontânea dos antigos Africanos. Estudiosos estimam que as primeiras manifestações artísticas datem de 12.000 anos ou mais atrás, no entanto, apesar do uso de técnicas de datação diretas e indiretas, existem muito poucas datas seguras (a "datação direta" usa análises físicas e químicas mensuráveis, tais como a datação por radiocarbono, enquanto a "datação indireta" usa principalmente associações com o contexto arqueológico). No norte, onde a arte rupestre tende a ser mais diversificada, a pesquisa se focou em fornecer descrições detalhadas da arte e em colocar os trabalhos em ordem cronológica, com base no estilo e no conteúdo. Esta abordagem ordenada resulta em sistemas de classificação e datação úteis, dividindo as pinturas e gravuras do Tassili em períodos de tradições simultâneas e sobrepostas (estima-se que a Mulher Correndo com Chifres date de por volta de 6.000 a 4.000 a.C.—colocando-a no "período da cabeça redonda"), mas pouco se oferece em termos de interpretação da pintura em si.
Mulher com chifres correndo (detalhe) (photo: FJ Expeditions)
Mulher com Chifres Correndo (detalhe) (photo: FJ Expeditions)

Avanços na interpretação da Mulher com Chifres Correndo

Quem foi a Mulher com Chifres Correndo? Era ela realmente uma deusa, e seu abrigo rochoso uma espécie de santuário? O que a imagem significa? E por que o artista a fez? Por muito tempo a busca do significado na arte rupestre for considerada impossível—apenas recentemente estudiosos se empenharam em ir além da mera descrição de imagens e estilos e, usando uma variedade de métodos interdisciplinares, fizeram tentativas sérias de interpretar a arte rupestre do Saara Central. Lhote relatou que a Mulher com Chifres Correndo foi encontrada em um rochedo isolado, cuja base era escavada em uma série de pequenos abrigos que não poderiam ter sido utilizados como habitações. Esta localização remota, associada com uma imagem de acentuada qualidade pictórica—retratando uma fêmea com dois chifres em sua cabeça, pintas em seu corpo provavelmente representando escarificação, e usando atributos de dança tais como braceletes e ligas—lhe sugeriu que o local, e o tema da pintura, estavam fora do cotidiano. Estudos mais recentes têm apoiado a crença de Lhote na representação simbólica, em vez da literal. Como Jitka Soukopova observou, "os caçadores-coletores provavelmente não usavam chifres (ou outros acessórios na cabeça) e não deviam fazer pinturas em todo o corpo em sua vida diária"[1]. Em vez disso, essa figura feminina com chifres, seu corpo enfeitado e decorado, encontrado em um dos maciços mais altos no Tassili—uma região considerada como tendo um status especial por sua elevação e topologia singular—sugere ritual, rito ou cerimônia.
Arqueiros, Tassili n'Ajjer (foto: Patrick Gruban, CC BY-SA 2.0)
Arqueiros, Tassili n'Ajjer (foto: Patrick Gruban, CC BY-SA 2.0)
Mas ainda há trabalho adicional para se avançar numa interpretação para a Mulher com Chifres Correndo. Cada vez mais os acadêmicos têm estudado os locais dos abrigos rochosos como um todo, em vez de isolar representações individuais, e a localização do abrigo em relação à paisagem e aos cursos de água próximos, para aprender o significado das várias "cidades de pedra", tanto na criação quanto na visualização de imagens. Os dados arqueológicos da cerâmica decorada, que são uma tradição artística antiga, são essenciais para sugerir que o conceito de arte existia no Saara Central no período da produção da arte rupestre no Tassili. Estudos comparativos com outros complexos de arte rupestre, especificamente a busca por semelhanças com conceitos fundamentais das crenças religiosas Africanas, poderiam produzir as abordagens mais frutíferas para a interpretação. Em outras palavras, assim como os estudos das rochas no sul da África se beneficiaram do rastreamento das crenças e práticas do povo San, o estudo da etnografia dos Tuaregues pode, também, lançar luz sobre a antiga arte rupestre dos sítios do Tassili.

Posfácio: a arte rupestre ameaçada do Saara Central

As paredes rochosas do Tassili eram comumente limpas com água para realçar a reprodução de suas imagens, seja em traço, desenho ou fotografia. Essa lavagem da rocha teve um efeito devastador sobre a arte, perturbando o equilíbrio físico, químico e biológico das imagens e de seus suportes rochosos. Muitos visitantes subsequentes da região, turistas, colecionadores, fotógrafos e a geração seguinte de pesquisadores—todos cativados pela "descoberta" de Lhote—continuaram a prática de umedecer as pinturas para revelá-las. Hoje estudiosos relatam que algumas pinturas estão severamente desbotadas, enquanto outras simplesmente desapareceram. Além disso, outras sofreram danos irreversíveis causados por vandalismo puro: arte saqueada ou roubada como souvenir. A fim de proteger este valioso centro do patrimônio da arte rupestre Africana, o Tassili N'Ajjer foi declarado Parque Nacional em 1972. Foi classificado como Patrimônio Mundial pela UNESCO em 1982 e uma Reserva da Biosfera em 1986.
Observações:
[1] Jitka Soukopova, “The Earliest Rock Paintings of the Central Sahara: Approaching Interpretation,” Time and Mind: The Journal of Archaeology, Consciousness and Culture 4, no. 2 (2011), p. 199.

Ensaio de Nathalie Hager

Recursos adicionais
David Coulson e Alec Campbell, African Rock Art: Paintings and Engravings on Stone (Nova York: Harry N. Abrams, Inc., 2001).
David Coulson e Alec Campbell, “Rock Art of the Tassili n Ajjer, Algeria.” Adoranten, no. 1 (2010), p. 1­15.
Jeremy H. Keenan, “The Lesser Gods of the Sahara.” Public Archaeology 2, no. 3 (2002), pp. 131-50.
Jean ­Dominque Lajoux, The Rock Paintings of Tassili, traduzido por G. D. Liversage (Londres: Thames and Hudson, 1963).
Henri Lhote, The Search for the Tassili Frescoes, traduzido por Alan H. Brodrick (Londres: Hutchinson & Co., 1959).

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